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POSTADO EM 28/09/2020 - 17h39

Artesãos de Atibaia são referência nacional na fabricação de instrumentos educativos

Moradores de Atibaia, Marcel Abramo e Thaís Xavier são os proprietários da “MT Instrumentos”, referência na fabricação de diversos instrumentos de percussão voltados para o ensino musical. Desde simples maracas até os complexos xilofones, são feitos artesanalmente pela família.

Armando Teixeira Junior

De início, o casal Marcel e Thais não tinham a intenção de se tornarem artesãos especializados em instrumentos educativos. A profissão surgiu de uma necessidade. Musicoterapeutas por formação, eles precisavam de instrumentos adequados para utilizaram no dia-a-dia, principalmente com crianças.

Foi então que perceberam que não encontravam no mercado o que precisavam para a prática clínica da musicoterapia, e que na maioria das vezes, até mesmo os educadores, eram obrigados a recorrer a instrumentos de plástico de baixa qualidade e com materiais que nada contribuíam para a experiência musical e de aprendizagem da criança.

Iniciaram então produzindo instrumentos para uso próprio, e perceberam que muitos outros educadores pelo país tinham as mesmas necessidades. Surgiu então a “MT Instrumentos”, fruto de muito estudo e dedicação, hoje responsável pela criação de mais de 40 itens, entre eles tambores, pandeiros, castanholas e xilofones.

A casa e o quintal do casal se tornaram um grande laboratório, assim como a experiência em família ajudou a “testar” na prática os instrumentos que surgiam. Pais de cinco filhos, com idades diferentes, o casal experimentou os desafios da rotina dividida entre a educação e cuidado com os filhos e do aperfeiçoamento de cada um dos instrumentos produzidos; que muitas vezes exigiam pesquisas em livros difíceis de “decifrar”, era um alívio quando encontravam bibliografia sobre os instrumentos em inglês, em muitos casos precisavam recorrer a livros escritos em alemão e japonês.

Hoje a “MT Instrumentos” é referência no mercado nacional, e ainda se preocupa em utilizar nos seus itens materiais ecologicamente corretos.

Entre os diferenciais que levaram o casal a se tornarem referência nacional, ganha destaque o cuidado e carinho ao pensar que os instrumentos serão utilizados também por educadores e crianças. Thaís atuou quase 20 anos em sala de aula, com educação infantil e musicalização e conhece essa realidade.

“A música não pertence ao musicoterapeuta, ao artista ou ao professor de música, ela pertence a todos. Há uma música “interna” dentro de nós, o nosso corpo é como um instrumento extremamente sonoro, não só na voz cantada, mas no grito, no sussurro, na fala... nós somos uma caixa de ressonância, onde você bater encontra um som, e sons de todo tipo, agudos, graves, abafados, estalados...Eu brinco que quando estamos doentes é como se nosso corpo estivesse “desafinado”. Afirma Thaís

Explorando essa ideia de integrar a música ao dia-a-dia, o Portal Atibaia News entrevistou Thaís e Marcel, para conhecer um pouco melhor a trajetória da “MT Instrumentos”.

Como a experiência na musicoterapia auxiliou no processo de criação da “MT Instrumentos”?

Sentíamos falta no mercado de instrumentos variados, sobretudo na percussão. Para a musicoterapia  é importante a utilização de elementos naturais, que fugissem um pouco do plástico e considerasse mais a pele, a madeira, a cabaça, o chocalho natural com sementes... Na educação musical a única alternativa eram os brinquedos, que não possibilitavam o desenvolvimento de um senso crítico musical, de definir para a criança o que é de qualidade, de desenvolver uma acuidade auditiva, se os instrumentos de trabalho não oferecem esses recursos.

Foi buscando um material que saísse do brinquedo e fosse de fato um instrumento, mas que não fosse um instrumento de orquestra, que apesar de ser excelente na sonoridade não é adequado para o corpo de uma criança, por ser grande, pesado e cheio de ferragens.

Vocês constroem instrumentos voltados o Ensino Musical, fale um pouco sobre esse processo. Qual a diferença deles em relação a outros instrumentos?

Para um bom ensino musical é necessário formar primeiro uma crítica sobre o que são bons sons. Reunir boas referências de cantores, instrumentistas, intérpretes... É preciso estabelecer uma boa base de comparação, ter elementos que tragam para a criança essa crítica musical.

A acuidade auditiva é parte desse processo na educação. O instrumento não pode ser apenas bonito, nem apenas ter um bom som, ele precisa se adequar ao corpo da criança.

A educação musical desenvolve a criatividade, outras perspectivas sonoras. A gente encontra os sons em nosso ambiente, em nosso corpo, na natureza...Por isso precisávamos sair um pouco do industrializado, utilizando elementos mais naturais.

Nosso desafio foi juntar esse pacote de qualidade sonora, com a criatividade, com a estética convidativa para criança com a leveza, o tamanho e a anatomia adequada para as mãozinhas das crianças. Assim surgiram nossos modelos de instrumentos. Alguns foram diminuídos, modificados, sempre com atenção aos materiais, as madeiras utilizadas. Utilizamos em todos instrumentos tintas atóxicas, porque sabemos que a criança pode levar o item a boca. Substituímos pregos e parafusos para que eles não tenham pontas expostas. Privilegiamos o uso de cabaças, sementes, madeira, que conecta a criança com esse universo natural. Esse seria nosso diferencial.

Quais instrumentos levam mais tempo para serem fabricados? Quais são os mais simples?

Hoje a MT fabrica mais de 40 instrumentos diferentes. O mais complexo é o xilofone, que leva em média 10 dias para ser fabricado, porque são diversos processos como o corte da madeira, o período certo da secagem da cola e a afinação - que é o que leva mais tempo.

Em média a afinação, de um teclado com 16 notas, leva 5 dias, pois existe um descanso entre uma peça e outra, pois ao afinar uma peça de madeira, isso gera um atrito dela com a lixa que aquece e causa uma alteração nas fibras da madeira, então é necessário aguardar o retorno da posição normal da fibra para estabelecer a afinação dentro de uma temperatura específica. 

Alterações climáticas também podem influenciar: um clima muito úmido por exemplo não é recomendado para realizar a afinação, pois a madeira absorve essa umidade. Temperaturas muito baixas ou muito altas podem alterar também. Existem critérios para fazer uma afinação correta e que permaneça, porque hoje nós fornecemos instrumentos para todo o Brasil e também para alguns países, então temos que considerar que o instrumento deve chegar afinado em lugares diferentes, com climas diferentes.

Existem instrumentos mais simples que podemos fazer em um dia, desde que esteja com clima adequado, com temperatura entre 20 e 25 graus, com umidade máxima de 65%.

Quais são os instrumentos mais procurados pelo público?

Os mais procurados são os tambores, a flauta de embolo que é referência em todo o Brasil, nosso xodó é o “kit castanholas” de bichos que têm uma saída muito grande e são procurados inclusive por pessoas não especialistas, geralmente pais e pessoas que querem presentear uma criança.

O “carro chefe” da MT Instrumentos seriam nossos xilofones, que são muito conceituados e inclusive recomendados pela Associação ORFF Brasil (ABRAORFF).

Na sua opinião o contato com a música, em especial com os instrumentos musicais colabora com o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças?

A arte acessa campos que outras atividades não acessam pelo fato de ela impactar, a arte tem encantamento, expressão...

Quando estamos em contato com a música, nunca estamos passivos. Mesmo que não esteja tocando um instrumento, mas quando a música entra em nosso organismo vai despertando certas reações, dá vontade de sair dançando, tamborilar com os dedos, bater os pés no chão, mexer o corpo acompanhando... Às vezes mexem com nossas emoções, dá vontade de chorar, outras trazem muita energia, outras relaxam profundamente, algumas nos conectam com o lado espiritual... Ela está sempre atuante em nosso corpo.

Quando estamos submetidos ao estudo, ao aprendizado de um instrumento, você está desenvolvendo diversas áreas do cérebro, e com o avanço da neurociência hoje sabemos que a música atua em todo o cérebro porque ela decodificada reúne uma série de elementos: ritmo, melodia, letra, leitura, execução, memória, movimento muscular... você ativa o cérebro como um todo. Por isso o ensino musical é tão importante e deve acompanhar as pessoas durante a vida toda, e se possível desde a gestação.

Como a música e a utilização de instrumentos pedagógicos podem auxiliar durante a pandemia, uma vez que muitos pais precisaram se tornar “educadores” com as crianças em casa?

A música durante a pandemia, ao mesmo tempo em que é um recurso de educação e de saúde, é também uma atividade lúdica. A música é mais um recurso de entretenimento, de envolvimento com toda a família. Ela pode ser utilizada nas brincadeiras, no momento de relaxamento, tranquilizando nos momentos de nervosismo e desespero, trazendo energia quando todos estão entediados.

Pais que não possuem conhecimento musical prévio podem aprender junto com os filhos? Quais são os primeiros passos para pais e filhos aprenderem música juntos?

Essa pergunta é a que eu mais gosto de responder. Sim e devemos, primeiro lugar porque os instrumentos comunicam algo, eles são os intermediários de uma comunicação. A criança pequena ainda nem têm a psicomotricidade desenvolvida para a execução de uma obra, ela precisa passar pelo aprendizado para ler uma partitura, para desenvolver a técnica, a agilidade motora para tocar um instrumento, então em casa os pais podem  interagir com seus filhos explorando os instrumentos em toda sua extensão. Mostrar que um tambor tem lá sua pele onde pode ser utilizada a baqueta, mas você pode bater com as mãos, arranhando, tamborilando, encostando no corpo...Explorar e brincar com os instrumentos.

Um chocalho pode ser segurado com as mãos, mas também com os pés, um pandeirinho pode virar o chapéu de uma criança. Você não precisa de um conhecimento musical prévio para explorar um instrumento e conhecer toda riqueza musical que ele traz.

Você pode “acompanhar” uma música instintivamente, com o corpo de forma espontânea, gerando criatividade e exploração livre com o instrumento.

Quando a criança já tem uma certa idade aí sim é hora de procurar um profissional para desenvolver a parte teórica da música e as técnicas necessárias para cada instrumento de acordo com sua escolha.

Curiosidade: Luthier ou Artesão?

Segundo o dicionário Priberam o termo designa: “Artesão que fabrica ou repara instrumentos de corda com caixa de ressonância. Sendo a origem da palavra, proveniente da língua francesa, do termo “luth” que significa Alaúde.

“É uma pena que não exista um termo específico para outros artesãos de instrumentos musicais, sejam eles de sopro ou percussão. O que acontece é que algumas vezes pessoas também se apropriam do termo “luthiers” utilizando para denominar outros artesãos que fabricam instrumentos musicais, o que gera certo ciúme nos “luthiers de corda”.” Afirma Marcel.

Em Atibaia, existe uma Associação de Luthiers, da qual Marcel também faz parte, que considera o uso da palavra adequado para todo fabricante de instrumento, independente se os mesmos são de corda ou não.

A questão da utilização do termo é de certa forma subjetiva, mais técnica do que prática. O que fica claro é que todos os profissionais que trabalham com a criação de instrumentos de forma artesanal são na verdade mestres em seu ofício, merecendo igual admiração.

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