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POSTADO EM 05/02/2021 - 09h30

O que falta para destravar o potencial transformador do Novo Marco do Saneamento?

Por Talita Caliman e André Salcedo*

Com a conclusão do processo eleitoral das presidências das duas casas do Congresso Federal, as pautas da Câmara e do Senado devem retornar à normalidade. As votações decorrentes da urgência sanitária provocada pela pandemia e as decisões que incidem sobre o aspecto econômico-fiscal do país devem priorizar a atenção dos parlamentares. Mas é necessário não perder de vista a votação dos vetos presidenciais ao Novo Marco do Saneamento para que ele caminhe, enfim, para a sua implementação. 

Os efeitos desses novos parâmetros instituídos pela Lei 14.026/2020, que regerão o setor de saneamento, preveem, dentre outros pontos, a necessidade de investimentos da ordem de R$700 bilhões, segundo estudos da KPMG e ABCON. Este é, possivelmente, o pipeline de investimentos alinhados com a agenda ESG mais robusto que se tem notícia globalmente.

Na prática, o impulso que o Novo Marco promoverá para atingir as metas de universalização, traçadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) para 2033, só começará a ser sentido daqui a alguns anos. Mas ele já atrai grande interesse e atenção ao setor, orienta processos de leilões em andamento, mobiliza recursos de investidores nacionais e internacionais e resulta em impacto social e ambiental positivos para a sociedade.

Entretanto, os avanços preconizados pela nova Lei do Saneamento não transcorrerão naturalmente. É necessário um esforço para promover a conscientização de gestores públicos, e da sociedade como um todo, quanto à sua real importância para a melhoria da qualidade de vida das populações brasileiras. 

A evolução desta agenda tão necessária para os brasileiros ainda encontra resistências em diversos níveis, que se materializam em processos administrativos e judiciais, prejudicando o engajamento mais efetivo de grupos empresariais e de investidores, a despeito da segurança jurídica anunciada pelo novo marco regulatório.

Ainda pior, continua comum, dentre os mais de 5.500 municípios brasileiros, nos depararmos com gestores municipais propensos a medidas inapropriadas, seja por inexperiência ou por motivações políticas, que acarretam a judicialização de contratos de concessão ou de Parcerias Público-Privadas (PPP).  

O saneamento precisa passar a ser encarado de forma pragmática e como um investimento de impacto em várias dimensões. A visão dos gestores de recursos federal, estadual e municipal sobre o saneamento precisa mudar.  

Os contratos de concessão mais recentes têm apresentado, ao longo do tempo, um alto poder transformacional agregado. Neste modelo, em vez do saneamento ser vertedor de orçamento público, ele pode passar a ser fonte de receita imediata e/ou de longo prazo para os municípios. Tanto pelas outorgas pagas pelas empresas concessionárias, quanto por fomentar a cadeia econômico-produtiva em seu entorno. Ou, ainda, em decorrência de uma melhor alocação do dinheiro público, destinando-o para outras áreas como, por exemplo, saúde e educação. O impacto do saneamento vai além do aspecto econômico e ambiental. Não custa lembrar, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde de 2012, para cada dólar investido em saneamento são economizados 4,3 dólares em saúde.

Projetos de saneamento são permeados de uma complexidade que estende a sua execução para além do tempo comum de outras áreas de infraestrutura. Isso significa que a redução das desigualdades sociais promovida pela sua implementação caminha no mesmo compasso. No ritmo atual dos investimentos, as metas originais do PLANSAB só seriam atingidas para além de 2050, um horizonte vergonhoso para o país e aterrorizante para as quase 100 milhões de pessoas ainda não atendidas com sistemas de esgotamento sanitário. 

Sem o esforço necessário, gerações de brasileiros ainda devem sofrer as sequelas de sua ausência. Crianças continuarão a ser impactadas em seu desenvolvimento escolar; doenças de veiculação hídrica ainda provocarão o absenteísmo no trabalho; e, no ponto extremo, enfermidades facilmente evitáveis com o saneamento, como a diarreia, continuarão sendo causas de mortalidade.

Olhando para o futuro, em alguns anos, é possível vislumbrar no saneamento a mesma transformação que vimos em outros setores da infraestrutura, como ocorreu na telefonia e no setor elétrico. Para tanto, e no momento, precisamos do foco do legislativo em se debruçar sobre os entendimentos e aprovação finais do Novo Marco Regulatório, e que a máquina pública permita que os efeitos desta parceria entre entes públicos e privados iniciem o quanto antes. 

* Talita Caliman e André Salcedo, da Iguá Saneamento, respectivamente diretora de Assuntos Regulatórios e Institucionais e diretor de Novos Negócios

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