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Queimadas e incêndios florestais se concentram em locais estratégicos para o abastecimento de água nas Bacias PCJ
Diante do baixo volume dos reservatórios do Sistema Cantareira, o olhar cuidadoso para as áreas mais atingidas pelo fogo e a adoção de medidas preventivas adequadas são essenciais para proteção dos recursos hídricos
Vista aérea da Represa do Cachoeira, em Piracaia (Foto: Matheus Simioli/SIMBiOSE)
Além de gerar prejuízos para os ecossistemas, a saúde da população e a economia, as queimadas não autorizadas e os incêndios florestais colocam em risco os recursos hídricos que abastecem as Bacias PCJ, área territorial das bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que englobam os estados de São Paulo e Minas Gerais.
Mapa das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Fonte: Agência das Bacias PCJ)
Embora a região das Bacias PCJ conte com diversas fontes de água, há uma tendência de redução na disponibilidade hídrica devido ao crescimento populacional. Outro fator significativo, com forte potencial de prejudicar a produção e, consequentemente, a disponibilidade de água, é a perda de vegetação associada aos incêndios florestais e queimadas não autorizadas.
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Além de contribuir para o abastecimento de 6 milhões de habitantes, de 76 municípios, uma parcela significativa de água das Bacias PCJ é revertida para a Bacia do Alto Tietê por meio do Sistema Cantareira, responsável por fornecer água para 8,8 milhões de habitantes da Região Metropolitana de São Paulo.
Visando proteger os recursos hídricos de territórios que abastecem o Sistema Cantareira, foi criada em 1988 a APA (Área de Proteção Ambiental) Estadual do Sistema Cantareira, formada pelos municípios de Atibaia, Piracaia, Nazaré Paulista, Bragança Paulista, Joanópolis, Vargem e Mairiporã. O processo de planejamento e implementação do Sistema Cantareira foi iniciado nos anos 1970, com a construção e interligação dos reservatórios Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro.
Em agosto deste ano, os reservatórios atingiram um volume inferior a 40%, obrigando o Governo de São Paulo a adotar medidas para preservar o nível de água. A partir de 1 de setembro, o Sistema Cantareira passa a operar na faixa de alerta, o que não ocorria desde dezembro de 2022, conforme informações divulgadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas).
Áreas estratégias para o abastecimento da Grande São Paulo apresentam alta frequência de área queimada
Incêndio florestal no Parque Estadual do Itapetinga, em setembro de 2024 (Foto: Ian Iordanu/SIMBiOSE)
Segundo dados do MapBiomas, quase 19 mil hectares foram queimados de 1985 a 2024 na APA Sistema Cantareira. Ao analisar a frequência de área queimada — ou seja, quantas vezes uma área pegou fogo ao longo do tempo —, o cenário se torna ainda mais preocupante.
Em municípios como Atibaia, Bragança Paulista e Piracaia — que apresentaram as maiores áreas queimadas entre os que compõem a APA Sistema Cantareira — os incêndios se concentram principalmente em áreas de mananciais e áreas protegidas, como Unidades de Conservação (UCs), além de outras marcadas pela especulação imobiliária e conflitos fundiários.
Em Bragança Paulista, as queimadas e incêndios florestais estão concentradas em duas áreas principais: divisa com Atibaia, marcada por intensa expansão urbana; e Morro do Guaripocaba, nas proximidades do Rio Jaguari.
Já em Piracaia, foram mais frequentes no entorno da Represa Cachoeira, que recebe as águas da Represa Jaguari-Jacareí (Joanópolis e Vargem) e depois se conecta à Represa Atibainha (Nazaré Paulista) e à Represa Paiva Castro (Mairiporã). Esse fluxo é direcionado para a Estação de Tratamento de Água (ETA) Guaraú e, por fim, segue para o abastecimento público da Região Metropolitana de São Paulo.
No caso de Atibaia, a área atingida com maior frequência é a Serra do Itapetinga, onde se localizam importantes microbacias para o abastecimento de água de cidades da região (como a sub bacia do Córrego do Onofre), além de ao menos cinco UCs (um Parque Estadual, um Monumento Natural Estadual, um Parque Natural Municipal e duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural) que abrigam importantes populações de espécies vegetais e animais.
Vale ressaltar que as áreas atingidas pelo fogo podem ser ainda maiores. Por utilizar uma tecnologia de sensoriamento remoto, que mapeia as cicatrizes de fogo a partir de mosaicos de imagens de satélites, o MapBiomas não identifica todas as áreas queimadas, somente as de maior escala. Isso significa que a coleta de dados mais precisos em campo se mostra como um complemento importante para a análise de cenários locais, cuja identificação de áreas queimadas de menor proporção é fundamental para o desenvolvimento de iniciativas voltadas à conservação ambiental.
Em Atibaia, município onde a Associação Serra do Itapetinga Movimento pela Biodiversidade e Organização dos Setores Ecológicos (SIMBiOSE) coleta dados em campo desde 2017, as áreas queimadas chegam a ser cerca de 50% maiores do que as registradas pelo MapBiomas para o mesmo período.
Para proteger os recursos hídricos, a biodiversidade e os remanescentes de florestas da Serra do Itapetinga, foi criado em 2010 o Parque Estadual do Itapetinga. Nessa área protegida, também estão o Parque Natural Municipal da Grota Funda e o Monumento Natural Estadual (MoNA) da Pedra Grande, um dos cartões postais de Atibaia. Mesmo com a existência dessas UCs, o uso indevido do fogo continua gerando prejuízos e, muitas vezes, as queimadas e incêndios atingem áreas de floresta onde estão as nascentes dos rios que provêm água para Atibaia, abastecem o Sistema Cantareira e outros municípios das Bacias PCJ, no interior do estado de São Paulo.
Com a diminuição das chuvas, as queimadas oferecem riscos ainda maiores, pois, com a vegetação e o ar mais secos, o fogo se espalha com maior velocidade, podendo atingir áreas florestadas e, consequentemente, gerar prejuízos para os ecossistemas.
Quando as chamas atingem com frequência locais essenciais para a proteção dos recursos hídricos, como foi observado em Atibaia, Bragança Paulista e Piracaia, os impactos negativos ganham outra proporção. O nível de água tende a diminuir diante da perda da cobertura vegetal pelo fogo, aumentando a temperatura do solo, diminuindo a capacidade de infiltração da água da chuva e tornando-o mais suscetível a processos erosivos. Todos esses fenômenos afetam a capacidade de recarga e de abastecimento das bacias.
Importância dos Planos de Manejo Integrado do Fogo (PMIFs) para redução de áreas queimadas e impactos negativos
O Plano de Manejo Integrado do Fogo (PMIF) é um instrumento estratégico de planejamento e gestão, construído de forma participativa, que orienta o manejo do fogo, a redução de incidência e dos danos provocados pelos incêndios florestais, indo além das ações de combate.
Baseado no Manejo Integrado do Fogo (MIF), uma abordagem que articula manejo, ecologia e cultura do fogo. Assim, reúne conhecimentos técnicos, científicos e tradicionais, além de considerar os aspectos ecológicos, econômicos e socioculturais dos territórios e das comunidades envolvidas.
No Brasil, o PMIF já vem sendo implementado oficialmente por instituições como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Unidades de Conservação federais e em terras indígenas.
Com a criação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) — Lei nº 14.944, de 31 de julho de 2024 —, o MIF passa a orientar as estratégias de prevenção e redução dos incêndios florestais em áreas públicas e privadas em todo o país. A política fortalece a governança e a responsabilidade compartilhada entre União, estados, municípios, sociedade civil organizada e setores produtivos.
Para alcançar seus objetivos, a PNMIF define o PMIF como um de seus principais instrumentos, ao lado de iniciativas como os programas de brigadas florestais, o Sistema Nacional de Informações sobre Fogo (Sisfogo), mecanismos financeiros, ferramentas de gerenciamento de incidentes, o Centro Integrado Multiagência de Coordenação Operacional Federal (CIMAN) e ações de educação ambiental.
Curso de Formação de Brigadistas Florestais, parte das ações previstas no PMIF de Piracaia (Foto: Daniela Fujiwara/SIMBiOSE)
Na APA do Sistema Cantareira, Piracaia foi o primeiro município a adotar o PMIF, com o apoio técnico da SIMBiOSE e The Nature Conservancy (TNC) Brasil, organizações que atuam na agenda ambiental da região. Com uma área total de mais de 38 mil hectares, Piracaia abriga os Reservatórios Jaguari e Cachoeira, o que reforça a importância de proteger suas áreas naturais para garantir o fornecimento de água para o Sistema Cantareira.
"Esperamos que os esforços de Piracaia sirvam de exemplo para outros municípios da região. Diante desse cenário preocupante, que ameaça o abastecimento de milhões de pessoas, tomar medidas que ajudem a proteger essas áreas estratégicas, muito atingidas pelo fogo, é cada vez mais urgente", ressalta Mateus Queiroz, Diretor Presidente da SIMBiOSE.
A experiência mostra que não há segurança hídrica sem MIF, já que proteger os mananciais contra as queimadas não autorizadas e incêndios florestais é também garantir água para o futuro. O desafio agora é ampliar a implementação dos PMIFs em toda a região das Bacias PCJ, enquanto uma política pública que alia conservação ambiental, gestão de riscos e responsabilidade coletiva.
Sobre a SIMBiOSE
A Associação Serra do Itapetinga Movimento pela Biodiversidade e Organização dos Setores Ecológicos (SIMBiOSE) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, fundamentada na conservação ambiental, cultura e cidadania e que acredita na transformação da consciência coletiva para defender o meio ambiente, os recursos naturais e a biodiversidade. Foi fundada em 2005, pelas mãos de jovens atibaienses engajados na preservação e conservação da Serra do Itapetinga, uma "jóia ecológica" do Sudeste brasileiro e onde se situa o afloramento rochoso da Pedra Grande. A SIMBiOSE sempre acreditou que sua atuação deveria ir além da montanha, conectando-a não só ecologicamente mas também social, cultural e financeiramente com o resto do território. Em suas duas décadas de atuação, expandiu sua área de atuação direta, atualmente de 33 mil hectares, e uma área de atuação indireta, com 233 mil hectares, na Área de Proteção Ambiental (APA) Sistema Cantareira. Para cumprir com as finalidades de seu Estatuto Social e suas metas de gestão estabelecidas bianualmente, a SIMBiOSE atua nas seguintes frentes:Gestão de áreas protegidas, Educação ambiental, Manejo Integrado do Fogo (MIF), Soluções Baseadas na Natureza (SbN) e Governança participativa.